O livro é dividido em três partes: Retratos Dispersos, Retratos de Mães e Retratos de Homens. Essa divisão é muito mais organizacional pois mesmo dentro das partes as histórias tem uma pluralidade imensa. Podemos notar as mais autobiográficas como
“Pai abençoa Filho”, que claramente explora a saída do Nordeste para a cidade grande, tema recorrente na obra de Brito, passando por contos que exploram relações maternais, a violência da cidade, relações homossexuais e até mesmo um relato fantástico sobre um lobisomem em
“Homem borgiano espreitando o lobo”, que alias é um dos mais interpretativos do volume.
O livro é no fundo uma coletânea de mais de 40 anos de contos nunca publicados, que ele “tirou da gaveta”. A ligação entre eles é feita por alguns temas que ficam pululando dentro do livro com a presença da religiosidade e as muitas facetas dela, a violência e o desespero sempre presente em qualquer cenário e muitas referências que dão o tom de cada conto como uma fotografia de Polidori ou um poema Whalt Whitman.
Esse leque de temáticas deixaram-no preocupado com a falta de unidade que a obra poderia ter, como ele confessa no posfácio, mas creio que a multiplicidade de temas sejam o ponto mais forte da obra. Por isso ao mesmo tempo que Retratos imorais parece ser um retorno as origens de sua literatura, sendo que seus primeiros livros eram de contos, ele também é uma evolução. Faca (2003) e o Livro dos Homens (2005) tem o mesmo estilo que o caracterizam mas são ligados muito a temática regionalista, enquanto Retratos está muito mais enraizado nos personagens complexos que ele cria.
Destaco dois contos que para mim já estão entre os melhores da literatura brasileira: O que abre o volume “Duas mulheres em preto e branco” e o fantástico “Catana”. No primeiro uma mulher espanca sua melhor amiga por ter dormido com o marido dela, em uma conversa seguida de violência as duas vão até o limite e levam o leitor a descobrir que as emoções referentes ao coração são mais complexas e não tão óbvias como se supõem no começo. Tem final surpresa! Em “Catana”, do trecho que reproduzi, dois cirurgiões e uma enfermeira debatem-se entre a vida e a morte enquanto operam um bandido baleado prestes a morrer. O interessante são as perspectivas apresentadas, a enfermeira só pensa na Igreja e no filho que pode estar usando drogas, o primeiro médico quer exercer sua função o melhor possível e o segundo acha que poderiam matar o bandido na mesa de cirurgia e seria menos um assassino no mundo. Confronto entre o bem e o mal cria uma zona cinza na qual tomar partido pode ser perigoso para o leitor. Cada conto tem um estrutura diferente e um ritmo diferente alguns são extraordinários outro são normais, mas como disse anteriormente é difícil sair indiferente ao mundo exposto em 7 páginas.
A razão de não ler muito livros de contos é que são muitas histórias e acabo perdendo o interesse em termina-los no meio, sempre preferi coisas extensas que ficam por mais tempo na cabeça, mas digo isso para enfatizar que a leitura de Retratos me prendeu muito do começo ao fim. Só havia sentido isso anteriormente em Boca Do Inferno, de Otto Lara Resende, para mim o grande livro de contos da nossa literatura.
Retratos tem o lançamento oficial hoje, terça-feira, e nesta quinta o autor ganhador do Prêmio São Paulo 2009 estará na FLIP discutindo juntamente com Reinaldo Moraes e Beatriz Bracher os rumos da literatura contemporânea. Me assusta quando no posfácio ele informa que as vezes pensa em parar de escrever, tomara que esses pensamentos sejam pura frescura de escritor. Se os contos que ele tinha guardado na gaveta deram só esse livrinho creio que podemos esperar muito de sua obra.
Ronaldo Correia de Brito já está na minha lista de preferidos do ano, mesmo sem ter sido lido…
Beijos e adorei o blog coletivo.
Juliana (vulgo Juju)